quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Diário de bordo: Vieques - Culebra - Culebrita (Parte 1)

Dia 1 (19/nov): Palmas Del Mar -> Pta Arenas, Vieques (PR)

As encomendas que esperávamos chegar pelo correio chegaram pela manhã (umas peças que precisamos trocar no mastro e vieram dos EUA). Não perdemos tempo... rapidamente já aprontamos o barco e seguimos viagem para Ilha de Vieques, uma ilha a leste de Porto Rico, uma hora e meia de viagem da marina.

Saímos por volta das 12:00 motorando com mar calmo e vento fraco de nordeste... subi a vela mestra para caso o vento melhorasse e por azar tivemos mais uma quebra. Desta vez foi a catraca elétrica que parou de girar sem aviso prévio, bosta.

Tivemos dois ataques fortes na nossa linha... provando que a técnica de usar o "BIRD" como chamariz junto da isca realmente funciona.

O primeiro foi logo a 15 minutos de viagem... mordeu forte disparando o ziiiiiiiimmmm da carretilha mas segundos depois a linha afrouxou.

O bichano deu sorte pois o anzol não fisgou. O segundo ataque foi mais firme... pra animar a tripulação. A distância já vimos o brilho prateado de um belo atum de uns 4kg brigando pra ser puxado a bordo.

Aprimoramos ainda mais a técnica para limpa-lo e tirar os filés... tô ficando bom nisso. Desta vez deixamos o bicho de cabeça pra baixo sangrando dentro de um balde e o resultado foi ótimo pois a carne ficou mas clara sem manchas escuras.

E usei também uma faca bem fina cumprida que compramos recentemente.. um espetáculo, o corte parece na manteiga. Minha Branca também fez upgrade na arte da culinária e rapidamente preparou arroz japonês e jantamos uns belos temakis (tudo bem que a arte de enrolar o cone ainda tem que ser melhor desvendada).

Ancoramos em Punta Arenas (lado oeste da ilha) com facilidade a 2m de profundidade em um claro fundo de areia. Mergulhei para verificar nossa ancoragem e me animei em ver que nossa Rocna de 25kg (nossa nova âncora) estava completamente enterrada deixando somente a aste pra fora. Valeu o investimento.

Em nossa ancoragem tem um outro veleiro vizinho... e de bate pronto ele veio nos cumprimentar: "De onde vem este ITACARÉ?", o amigo emendou falando em português. Mais uma das coincidências da vida a bordo. 

O veleiro Renewal é de uma família de americanos que viveu a infância no Amazonas e depois nos Açores. Moram a bordo por 3 anos e este ano decidiram mudar de vida e pararam em terra e compraram uma casa em Porto Rico. Papo vem e papo vai... e descobrimos que meses atras eles estavam lado a lado por semanas com nossos amigos do El Caracol em Turks and Caicos. Mundo pequeno.


Tivemos uma noite agradável de muito bate papo no barco deles.. valeu amigos ! Pena que o tempo foi curto e amanhã vamos um pra cada lado. A gente pra leste contornando Vieques e eles de volta pra Porto Rico.

Para finalizar um ótimo dia, vimos hoje uma das noites mais estreladas e limpas até aqui. Ficamos por horas no teto do barco olhando pro céu. Este, sem duvida, é um dos vários prazeres da vida a bordo.


Dia 2 (20/nov): Punta Arenas, Vieques (PR)

O sol deu as caras hoje. A distância víamos as nuvens negras paradas sob Porto Rico e deu pra entender o porque de todo dia chover por lá. A umidade vem do mar e esbarra com os morros altos de Porto Rico acumulando tudo por lá. Mesmo efeito da nossa Serra do Mar entre Ubatuba e Angra.

Rodamos todas as praias da nossa ancoragem com nosso caiaque e nosso standup. Tava sentindo falta de fazer isso. Falamos também por WhatsApp com amigos no Brasil... ficamos sabendo das novidades no trabalho e com saudades do povo todo!

Tomei coragem também e desmontei a catraca elétrica... foi como desmontar e remontar um quebra-cabeca. Aproveitei para limpa-la, lubrifica-la, e com cuidado recoloquei tudo no lugar.. deu certo. Animado apertei o botão para testá-la e....... pronto. Continuou sem funcionar. Bosta. 

Fim de tarde seguimos motorando sem vento contornando Vieques pelo lado sul até uma ancoragem em frente a um pequena vila (Esperanza). No caminho tivemos novamente dois ataques fortes na nossa linha anunciado aos gritos pela carretilha.

Desta vez puxamos duas grandes barracudas pesadas e cheia de dentes. Foram nossos maiores peixes até aqui... talvez uns 8kg a 10kg. Com cuidado devolvemos elas pro mar para sofrimento das crianças. Dizem que por aqui as barracudas comem peixes de recife que se alimentam de uma alga venenosa chamada cigaterra...  e se você der o azar de comer uma delas a coisa pode ficar feia.

Aproveitamos o motor ligado e ligamos nosso watermaker e enchemos nosso tanque. Eu tava preocupado pois ele estava a quase 30 dias sem funcionar. Ainda bem que deu tudo certo... e por enquanto água não é um problema.

Ancoramos em frente à vila em um fundo ruim de grama. Mergulhei para verificar e nos susto vi nossa Rocna travada em um grande cano de ferro 4m de profundidade. Ralei para soltá-la e arrasta-lá no braço para longe do cano. E depois ajustamos a ancoragem com calma. A branca deu ré no ITACARÉ e eu fiquei na água observando a corrente esticar e a âncora forçar passagem no fundo duro e se enterrar por entre a grama. Gostei do que vi... havida no mar, confiança na âncora e sinônimo de noites bem dormidas.

A chuva desabou torrencial começo da noite. Fantástico ouvir ela batendo no casco do barco e a gente enrolado no lençol dentro da cabine. Este é outro dos bons prazeres da vida no mar.


Dia 3 (21/nov): Esperanza, Vieques (PR)

Choveu a noite toda, torrencialmente, horas se parar...  Se nosso barco fosse uma casa na terra certamente ficaria alagado.

Tá tudo molhado a nossa volta e a vida a bordo fica meio bagunçada e desconfortável. Tem uma frente fria estacionada a norte de Puerto Rico e o mal tempo estacionou por aqui.

Fizemos a homeschooling pela manhã tentando tirar um pouco do atraso e engatamos no jogo de war a tarde.

A chuva continuou a tarde toda lá fora e a guerra mundial comeu solto a bordo do ITACARÉ. Muito bacana ver a atenção e empenho dos moleques no jogo... os bichinhos comemoram cada disputa de território como se fosse um gol no futebol.

A chuva não deu trégua hora nenhuma e decidimos ficar mais uma noite por aqui.

Dia 4 (22/Nov): Puerto Ferro, Vieques (PR)

Os dias estão se misturando e se não fosse por este diário de bordo ou pelo calendário já estaria perdido na sequência dos fatos. Estamos a dias sem internet e o sinal de celular é bem fraco, o que ajuda na nossa sensação de isolamento.

De novo choveu a noite toda, aproveitamos o dia feio para levantar âncora e seguir mais a leste da ilha de Vieques. Quando saímos do abrigo da enseada que estávamos sentimos a força do mar vindo de sudeste. De novo motoramos dado mar e vento contra. O ITACARÉ sacudiu e bateu um pouco mais nada grave. 45 minutos depois já ancoramos em Puerto Ferro - uma enseada bastante abrigada por todos os lados, com fundo de lodo de 2M e rodeado por mangue.

Como o sol deu as caras fraco entre nuvens deixamos a homeschooling pra parte da tarde (quando deve chover de novo) e fizemos um reconhecimento a remo de caiaque e standup pelos canais de mangue a nossa volta. Muito bacana.

Pra ser perfeito faltava um fundo de areia para deixar a água clara. Chamou a atenção 4 barcos abandonados no meio do mangue... parecem barcos fantasmas abandonados há anos. Tirando eles.... não tem mais nada a volta. 

A noite a ancoragem ganha ares ainda mais remotos e o breu da noite e o silêncio total chegam a atiçar os fantasmas na nossa cabeça. A Branca fica um pouco apreensiva... e eu durmo igual um neném.


A chuva parece que não vai dar trégua. Se ficar assim já devemos seguir viagem mais a leste amanhã pela manhã.


Dia 5 (23/Nov): Ensenada Honda, Vieques (PR)

Acordamos cedo e já levantamos a âncora rumo a Enseada Honda, 45 minutos contravento a leste. Foi tiro curto... e pouco tempo depois já estávamos seguramente ancorados a 5m de profundidade no fundo da baia. 

Essa baia é também muito bem abrigada, bastante selvagem, porém a água é mais limpa... criando um visual mais simpático, comparado com a última que estávamos. O único sinal de civilização que temos a nossa volta é um outro barco que divide a ancoragem com a gente. Fora ele, o resto é mar, morro, mangue e céu. Estamos completamente isolados. Adoramos esse lugar! 

Aproveitamos o sol da parte da manhã e fomos de dinghy (bote) até os recifes da entrada da baia tentar pegar lagosta. Não demos sorte e não vimos nada que valesse a pena .. e nem um tiro sequer disparei (pra tristeza dos moleques). Mas valeu muito o passeio pois vimos umas 15 arraias de tudo quanto é tamanho e vimos também um tubarão nurse (lixa) calmamente deitado entre as pedras. Chamei os moleques pra ver e eles vieram colados comigo apreensivos. Foi a primeira vez deles vendo um bicho destes de perto. Bacana a experiência que eles estão tendo vendo o mundo ao vivo e a cores. Às vovós que devem estar me lendo eu aviso: fiquem tranquilas pois este tubarão é bobão e não faz nada, ok?!

A tarde engatamos na homeschooling... e próximo ao por do sol saímos de caiaque e standup para explorar os mangues que ficam a nossa volta. Excelente o programa também. Seguimos a remo deslizando suavemente por um braço de rio que hora estreitava, hora abria-se. Levamos a GoPro... e em breve devemos publicar alguns vídeos. 

Mas o mais emocionante ficou para o final: Ze Cuca voltou remando no standup e nós três (eu, Branca e Bruno) voltamos no caiaque logo atrás. Quando ele chegou próximo ao ITACARÉ pulou na água pra subir no barco... nadou um pouco batendo perna para logo subir na escada e tomar banho. Seguimos logo atras (do Caiaque direto pro barco) e minutos depois estávamos todos juntos tomando banho na popa do barco.

Neste momento todo mundo arregalou os olhos ao ver na nossa popa, no mesmo percurso que o Lucca tinha acabado de fazer, um cação nadando na superfície quase esbarrando no barco. Esse não era Nurse/Lixa... mas também não sei dizer de que tipo era. Acho que ele veio curioso com o barulho das pernadas do Lucca... e veio farejando quase esbarrar na escada do ITACARÉ por onde o Lucca havia subido minutos antes. Foi tipo cena de filme com barbatana e tudo pra fora d'Água.

Enquanto o povo tava de olhos arregalados vendo o rebolado do bichano deslizando na superfície a 1 metro de distância... por extinto corri para pegar o arpão. Imaginei um tiro certeiro vindo de cima e pensei logo em uma bela moqueca de cação para o jantar. Mas não deu certo pois quando voltei ele já havia sumido.

O bicho era pequeno... talvez uns 60cm (uns 8kg?!)...mas fiquei com uma dúvida: será que a mãe dele também anda por aqui?

A noite fechou animada com mais uma guerra mundial no war... porém sem vitoriosos, e com acordo de paz dado timeout.








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