domingo, 7 de julho de 2013

A primeira vez a gente nunca esquece

Ilhabela, 7 de Julho e 2013


Escrevo estas linhas apoitado no saco do sombrio (lado oceânico da ilhabela), ...olhando para um belo por do sol de dentro do Lafitte.  E entre um pensamento e outro, ...sou interrompido por alguém me chamando do lado de fora: "Vem de onde? Quantas pessoas a bordo?", perguntou. "Sou do RJ, e estou sozinho, ...você é o Fabrício?! Ja ouvi falar bem de você!", completei.

Era o rapaz responsável pela subsede do Iate Clube na Ilhabela. Por um momento achei que ele fosse me expulsar da Poita (que é exclusiva para sócio),  mas que nada, ele veio dar as boas vindas e revisar minhas amarras. Gente boa o cabra. Um recém amigo da ilha (vini vela) ja havia comentado sobre ele, e dito que se as poitas não estivessem disputadas por outros barcos de sócios, eu não teria problemas em conseguir uma pra mim. bem melhor. Afinal, durmo mais confortável e sem preocupação com a ancoragem.

"Você é corajoso em vir velejando sozinho..", comentou. "...mas isso é pra quem sabe muito, ne?",  ele concluiu. "Que nada, com tempo bom, é fácil", finalizei.

De fato meu dia foi longo, repleto de pensamentos porém muito tranquilo em um mar de azeite e ventinho nordeste que não passou dos nove nós. Minha maior preocupação foi com o motor do barco, dado que recentemente deu problema e passou por outra revisão. Mas viemos sem sustos, depois 4 horas revezando entre vela e motor.

E cá voltei pra cabine e para meus pensamentos. Mal sabe o Fabrício que sou "calouro" no mundo da vela. E verdade é quem nem a carteira de arrais eu tenho em mãos ainda. Ok, a prova eu ja fiz, porém somente devo receber a carteira em algumas semanas.. E já estou sim debruçado sobre a apostila do curso de mestre, esta sim minha próxima meta agora pra agosto.

"Mas o que eu estou fazendo sozinho em um veleiro de 36 pés do outro lado da ilha... ???", é o que vc deve estar pensando. A resposta é fácil e direta:  To sendo atrevido e colocando em pratica nossos sonhos. Preciso ao longo dos próximos 2 a 3 anos acumular o máximo de experiência possível antes de me lançar ao mar com família e tudo. Logo uma volta velejando e pernoitando ao longo a Ilhabela não deveria ser um grande problema.. e já fazia parte do nosso longo plano ha tempos.  

"A previsão do tempo aponta para um sudoeste de 25 nos amanha fim do dia...vou dormir cedo, para colocar o pé nas estrada no raiar do dia" , idealizei.

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1:50am - acordo com barulho forte dos cabos batendo no mastro. Junto da batida um assobio forte do vento descendo por trás do morro. É o sudoeste forte, que estava previsto pra frente se antecipou em 24hrs. "Filha da p ! Foi-se pro brejo meu passeio tranquilo!!". 

Levanto no susto e cato a lanterna pra revisar as amarras. Está tudo em ordem.  "Ainda bem que estou na Poita do Iate Clube", penso. Acho que se eu estivesse ancorado eu entraria em parafuso. Não somente pelo vento, mas principalmente por estar sozinho o que complicaria muito qualquer manobra noturna e nova tentativa de ancoragem.

Tentei voltar a dormir, mas desisti.. Em cada assobio do vento e novo saculejo do Lafitte eu sentia um treco estranho brotar da ponta do reto indo até o meio do estômago. "Acho que é medo! Tudo bem, faz parte. Acho melhor eu ir procurar alguma coisa pra fazer",  reflito. Verdade é que ficar trancado na cabine ouvindo o pau comer lá fora e  ficar mergulhado em pensamentos imaginando se o barco soltou ou não... e o maior alimento para o panico e medo. 

Enfim, me senti bem melhor zanzando pelo barco, revisando tudo em dobro e ficando acordado a espreita no cockpit. E cá estou, bem mais tranquilo e ambientado. Os instrumentos apontam sudoeste com rajadas de 25 a 30 nós. Vamos ver qto tempo dura isso.

Em cada novo balanço forte dado novo assobio em uma rajada ouço os cabos rangerem... "Aí caralhus, será que essa Poita aguenta o Lafitte?",  indago. "Acho que sim, pois se ta segurando o mega-iate (quase um navio!) que esta em uma destas a uns 50 metros na minha popa... O nosso barquinho, é fichinha", concluo.

De qualquer forma, deixei os instrumentos ligados, configurei o anchor-alarm no gps e se o barco se mexer mais do que o previsto o bichano apita agudo avisando. Revisei também capotas e gaiútas, retirei a toalha do "varal", girei também o disjuntor que manda energia pro motor e com a chave na ignição deixando tudo pronto para ação. Agora é observar a natureza e aguardar.  "Se a desgraça soltar...Dou partida rápido e empurro a criança pra frente.", finalizo meu plano.

Curioso como quando vc esta velejando sozinho.... (ou de andando de moto, como foi ano passado), nosso cérebro arma um modo "parceiro" e fica o tempo todo batendo papo com a gente.. Por vezes indagando, por vezes concluindo e julgando, e ora até te assustando e apavorando.

Escrevo estas palavras sentado no cockpit - "ao vivo e a cores", colocando no tempo presente tudo o que esta se passando a minha volta. Por enquanto tudo "calmo".

Terei uma bela decisão a frente: no meu plano original a idéia era madrugar para retornar pra nossa base na Ilhabela cedo, muito antes do tempo virar. E agora?! Talvez tenha que ficar por aqui mesmo até o mão humor de São Pedro esfarelar. Água e comida eu tenho, vamos ver como faço para mandar recado pro povo que esta em terra, senão eles enfartam qualquer hora. Sei lá.. vamos ver.

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Acordei de um rápido cochilo, depois de ter ficado acordado boa parte da madrugada ouvindo o assobio do vento e vigiando as amarras. O cochilo veio derrotar o cansaço somente no final da madrugada. 

Com o dia claro, a frente fria pareceu menos assustadora. Nas minhas costas um tempo horroroso, e a frente (norte) um dia lindo, me convidando a partir. Como o vento havia diminuído conclui que a cabeça da frente fria havia passado e o que estava por vir era chuva com vento menos intenso. Rapidamente preparei o barco e parti de volta pra base na praia da Aviação, dentro do canal da ilhabela. 

A velejada foi uma das melhores da minha vida. Empopado a 18 nós, tudo a favor, surfando pequenas ondas, manso... seguro, espetacular! Na popa do Lafitte as nuvens pretas com nevoeiro baixo nos seguindo a espreita e a frente o sol nascendo. Era como se Deus me dissesse: "Fique tranquilo pois estou aqui.".

Perto do meio dia pisei em terra completamente realizado, leve, já pensando nos próximos objetivos. 

Valeu!